Texto originalmente publicado em 2019
Num congresso em que estive na semana passada (junho/2019), tivemos várias apresentações relacionadas ao período da adolescência. Todo mundo sabe que essa fase da vida pode ser bastante turbulenta, sujeita a tempestades e furacões. Adolescentes passam por alterações dramáticas em seus corpos e mentes, determinadas por hormônios e processos neurológicos (como a poda sináptica), ao mesmo tempo que mudam as demandas do seu ambiente social, familiar e escolar.
Não é pouca coisa.
A adolescência é um período de grande vulnerabilidade. Adolescentes são extremamente sensíveis à crítica, estão experimentando os próprios limites, são desafiados a fazer escolhas para as quais nem sempre se sentem preparados, podem ter dificuldade de lidar com emoções e muitas vezes agem impulsivamente. Diversos fatores individuais podem tornar este período mais ou menos tranquilo para cada um: auto-estima, habilidades sociais e de resolução de conflitos, rede de suporte (família e amigos), ter potencialidades reconhecidas, entre outros.
Uma frase de uma palestrante me marcou muito.
Ela disse que o maior risco (estava falando especificamente do uso de drogas, mas serve como uma luva para tantas outras situações) é para aqueles que “entram na adolescência sem um cartão de visita”. Aqueles adolescentes que não se destacam em nenhuma atividade, que não se sentem parte de uma comunidade ou um grupo, sem uma identidade na qual se reconheçam, sem percepção do seu próprio valor, sem planos. E estava falando da população geral.
Impossível para mim nesta hora não pensar nos meus adolescentes atípicos. De como uma grande parte deles inicia sua adolescência “sem um cartão de visita”. Enfrentando dificuldades escolares, rejeição, bullying, insegurança.
Aí vem a conversa de hoje: a construção dos fatores de proteção precisa começar na infância, o mais cedo possível. Para neurotípicos e neuroatípicos.
Vejo muitas famílias focadas exclusivamente no desenvolvimento das habilidades acadêmicas, como se fossem a única garantia de sucesso na vida. Não são, obviamente. Tenho tido essa conversa com pais de pacientes mais vezes do que gostaria na clínica.
Não importa o diagnóstico da criança. Dentro das potencialidades, interesses e limitações de cada uma, temos que trabalhar para que chegue na adolescência com um cartão de visita. Alguns pontos que devem ser considerados neste trabalho:
- Reconhecer seu direito à identidade: autoconhecimento, possibilitar o acesso a informações sobre sua condição, permitir que explore seus interesses, peculiaridades e expectativas. Saber que não precisa ser “consertado”, que é um ser humano completo, tão valioso quanto qualquer outro.
- Ampliar seu repertório de habilidades sociais: comunicação (desde comunicação alternativa até os níveis mais complexos de expressão), resolução de conflitos, habilidades de coping.
- Buscar desenvolver autonomia e independência nas mais variadas tarefas.
- Incentivar a prática de atividades significativas. Não há receita de bolo tipo: “ir à escola, fazer um esporte e tocar um instrumento”. Ter a chance de experimentar diversos tipos de atividades ajuda a descobrir o que traz prazer e significado para a vida de uma pessoa e a desenvolver aptidões. Também é a melhor maneira de encontrar outras pessoas com os mesmos interesses.
- Oferecer suporte adequado para dificuldades específicas, sejam elas escolares, motoras, sensoriais ou psicológicas.
- Cuidar das questões emocionais: algumas vezes, psicoterapia e mesmo tratamento medicamentoso são necessários para casos de ansiedade, depressão ou outras situações.
O tempo passa rápido, e os alicerces precisam estar prontos.