A menina já está entrando na adolescência e ainda não consegue usar calcinha. Usa um shorts de malha bem soltinho e vestidos largos. Para outra, a hora do banho mais parece uma sessão de tortura: ela chora porque a pele está insuportavelmente lisa e só depois de umas duas horas é capaz de se vestir. Um garoto menor só dorme com um lençol velho, bem gasto e se estiver completamente esticado: qualquer dobrinha pode significar uma noite insone. São tantas histórias diferentes que chegam à clínica que fica difícil escolher.
Hipo e hipersensibilidade
A hipersensibilidade táctil pode representar mais do que uma simples intolerância a etiquetas, elásticos, costuras e bordados. Pode afetar hábitos de higiene (cortar unhas e cabelo, tomar banho, escovar os dentes), execução de tarefas escolares (manipulação de materiais diversos), participação em atividades esportivas e eventos sociais, utilização de instrumentos de proteção (óculos, capacetes, bonés), além de transformar afazeres banais em verdadeiros martírios.
A hipossensibilidade também cobra seu preço: a necessidade de amarrar os cadarços dos calçados ou prender cabelos de forma excessivamente apertada chega a machucar. Outras manifestações incluem coçar a pele até provocar lesões, roer unhas, arrancar as “casquinhas” de feridas, morder partes do próprio corpo até comportamentos graves de auto-injúria.
Atualmente sabemos que 95% dos autistas apresentam alterações sensoriais, ou seja, no processamento neurológico dos estímulos que chegam por meio dos nossos sentidos (visão, audição, tato, olfato, paladar, propriocepção e vestibular). 60% apresentam alterações tácteis, nosso assunto de hoje. Alguns apresentam respostas exageradas a estímulos mínimos (que as pessoas em geral toleram sem nenhuma dificuldade), enquanto outros são hipossensíveis (parecem não sentir os estímulos na mesma intensidade). Outros ainda apresentam um perfil misto.
O processamento das informações tácteis é fundamental para o controle sensório-motor, para a exploração do ambiente e para o aprendizado, além de ser um componente importante das interações sociais. As sensações tácteis que ativam os receptores em nossa pele são variáveis: toque suave, pressão profunda, vibração, movimento, temperatura e dor. Temos neurônios especializados para a percepção de cada uma delas e, por essa razão, podemos ver diferentes perfis de processamento.
Tanto a hiper como a hipossensibilidade táctil costuma afetar também o comportamento da pessoa, de maneiras não tão óbvias quanto as já esperadas reações de evitação ou busca. É preciso sensibilidade e conhecimento para interpretar que vários problemas e situações difíceis do cotidiano podem estar associadas a elas. Por exemplo, a criança hipersensível responde negativamente não só à sensação que lhe é aversiva como também à simples expectativa dela. Aprontar-se para ir à escola pode ser uma experiência dramática, bem como a hora do banho, de sair ao encontro de pessoas, ou mesmo ir a lugares que outras crianças apreciam, como um parque. Uma reação de defesa comum em crianças (para proteger-se das sensações de toque inesperadas do ambiente) é ficar o tempo todo com um objeto na mão. Crianças hipossensíveis põem a mão em tudo que aparece na sua frente, mexe em tudo, coloca coisas na boca, está sempre trombando com as pessoas e com os móveis: a busca pelo contato é constante.
Estudos recentes mostram que genes relacionados ao autismo podem estar associados com a disfunção dos neurônios somatossensoriais. Embora ainda não sejam conclusivos (como outros estudos na área do processamento sensorial, visto a subjetividade dos parâmetros clínicos, a heterogeneidade do TEA e a diversidade das medidas desse processamento), parece claro que há um desequilíbrio excitatório/inibitório do sistema nervoso central. A possibilidade do envolvimento do neurotransmissor GABA aparece com certa frequência nestes estudos, apontando um caminho promissor para o tratamento de alguns casos.
Suporte
Terapeutas ocupacionais com formação em Integração Sensorial são os profissionais mais indicados para fazer a avaliação e intervenção dos problemas de ordem sensorial.
Como podemos encontrar pessoas com apresentações muito distintas, não há uma receita única que resolva todos os problemas. Mas, invariavelmente, uma observação cuidadosa é essencial para entender o que cada um consegue ou não tolerar. Compreender que o comportamento demonstrado não é birra ou simples falta de limites é um bom começo. Depois, podemos inserir gradualmente elementos para dessensibilizar (atividades divertidas com diversas texturas) ou oferecer estímulos seguros e apropriados para suprir a busca. Massagens e uso de hidratantes na pele antes do contato com alguns estímulos podem ser úteis.