Nos Estados Unidos, estima-se que 24% dos adultos no espectro do autismo dirijam seus carros, devidamente habilitados. Não temos esses dados no Brasil, mas à medida que aumenta o reconhecimento dos casos de TEA em nosso meio, questões práticas como essa vêm à tona e a experiência adquirida em outros centros pode servir como um guia.
Dirigir representa independência na mobilidade e, consequentemente, maiores oportunidades de trabalho e lazer. Pessoas autistas podem enfrentar maiores desafios para isso, porém quando conseguimos identificar as dificuldades particulares de cada um (lembrando que estamos falando de um espectro de manifestações variadas), é possível elaborar estratégias individuais que permitam o desenvolvimento das habilidades necessárias para essa atividade.
Vamos falar um pouco das questões mais envolvidas nesses desafios.
Dificuldades na comunicação
Pode parecer para alguns que dirigir é um ato solitário que independe da comunicação, mas essa ideia está longe da realidade. Ao dirigir, precisamos inferir as intenções dos outros motoristas, pedestres ou ciclistas (o que envolve Teoria da Mente). É preciso “ler” os sinais não verbais para entender, por exemplo, quando um motorista está tentando comunicar que pretende mudar de faixa sem a sinalização convencional, quando um pedestre está distraído ao atravessar a rua etc. Também podemos ver problemas com a interpretação literal (no caso de instruções ou avisos em linguagem escrita) e mesmo no comportamento de solicitação (dificuldades ao pedir informações).
Disfunção executiva
Essa dificuldade, compartilhada pelas pessoas com TDAH, afeta a atenção e o planejamento de ações. Dirigir é uma atividade complexa, que exige atenção simultânea em vários aspectos: no painel do carro (que sinaliza indicadores importantes, como nível de combustível e velocidade, por exemplo), no trajeto em si, na sinalização de trânsito, no fluxo de veículos, nos pedestres e ciclistas. Elementos de distração são frequentes (outdoors, pessoas e animais nas calçadas, ter passageiro no carro conversando, música, notificações do celular etc.). Além disso, podem ocorrer coisas inesperadas, que demandam decisões rápidas: pedestres atravessando fora da faixa ou do momento adequado, motoristas que desrespeitam a sinalização, ocorrências diversas na rua.
Aspectos sensoriais
Muitos autistas podem ficar sobrecarregados com sons da rua (buzinas, tráfego intenso), temperatura do interior do carro, necessidade de manter a postura corporal por longos períodos e outros estímulos. A percepção da velocidade pode ser um problema para muitos (não se dar conta de estar numa velocidade alta na estrada, por exemplo).
Dispraxia
Dirigir exige a integração de várias áreas do corpo ao mesmo tempo: movimentos dos pés para determinar velocidade e para frear o carro, o controle da direção, ajustes frequentes da postura para os movimentos de olhar painel, trajeto e retrovisor. Muitos autistas têm dificuldades em coordenar todas essas ações.
Ansiedade
O medo de um acidente, a insegurança na própria capacidade de responder a todas essas demandas pode ser paralisante em alguns casos.
Como dissemos antes, identificar as dificuldades de cada um é a chave para desenvolver as ferramentas necessárias. A existência de instrutores preparados faz toda diferença. Não temos notícias de iniciativas desse tipo aqui no nosso país, mas esperamos que, com a maior conscientização, logo surjam centros com esse tipo de suporte. Quem sabe, daqui algum tempo, possamos – a exemplo de outros países como a Inglaterra – treinar instrutores autistas para essa tarefa.