Déficits na comunicação social são relatados desde as primeiras descrições do autismo e estão entre os principais critérios diagnósticos da condição. As pesquisas sobre a origem e a repercussão clínica desses déficits embasam muitos dos conhecimentos atuais sobre o tema e influenciam o planejamento das abordagens terapêuticas.
Autistas apresentam diferenças em vários aspectos estudados: desempenho em tarefas de processamento facial, Teoria da Mente, identificação de emoções, uso e interpretação da linguagem verbal e não verbal, interesses, motivações e preferências em relação ao comportamento social. Todas essas particularidades podem, em maior ou menor grau e dentro da imensa variabilidade observada nas manifestações do autismo, afetar a qualidade das interações sociais e impactar negativamente a qualidade de vida, os estudos e mesmo a empregabilidade e a independência das pessoas no TEA.
Entretanto, uma linha de trabalho emergente sugere um novo olhar às nuances das habilidades sociais dos autistas.
Interação social é uma via de mão dupla
Ela propõe uma reflexão necessária: se socialização é um conceito de natureza relacional, que implica necessariamente na interação de duas ou mais pessoas, a qualidade dessa interação não pode ser medida por características individuais de uma delas apenas. Interação social é uma via de mão dupla.
Qualquer relação social exige reciprocidade e entendimento mútuo.
Quando pessoas com experiências do mundo muito diferentes interagem entre si, a troca social pode facilmente ser prejudicada. Isso pode acontecer não só entre pessoas típicas e neurodivergentes, mas entre pessoas de culturas e costumes muito diferentes ou entre pessoas de gerações mais distantes. As conexões ocorrem com mais facilidade quando há interesses e motivações em comum, quando os indivíduos envolvidos compartilham da mesma linguagem (pense nos códigos próprios dos adolescentes), quando as expectativas e percepções do mundo são semelhantes.
Obviamente, num mundo em que as normas, costumes e expectativas sociais foram estabelecidas pela maioria neurotípica, a reciprocidade e o entendimento mútuo que caracterizam as relações bem sucedidas são mais difíceis de alcançar quando se trata de pessoas neurodivergentes. Porém, transformar suas diferenças em déficits, falhas que precisam ser consertadas, talvez seja uma abordagem restrita e capacitista.
“Double Empathy Problem”
“Double Empathy Problem” (ou o Problema da Dupla Empatia) é o termo cunhado em 2012 por Damian Milton, psicólogo, sociólogo e ativista dedicado a pesquisas na área do autismo. O conceito leva em consideração que a incompatibilidade entre duas pessoas pode levar a uma comunicação disfuncional, sem que diferenças sejam necessariamente tratadas como déficits.
Os trabalhos de Noah Sasson e equipe demonstram que, nessa perspectiva, neurotípicos também apresentam “falhas” quando se trata de entender autistas ou inferir suas intenções e sentimentos. Como costumamos dizer na comunidade autista, são sistemas operacionais diferentes.
Focar na busca de caminhos que possam aproximar essas diferenças e não impor mudanças a um dos lados somente é uma troca de paradigma que sinaliza uma evolução na nossa compreensão do caráter relacional da socialização, e fortalece o tão necessário respeito à neurodiversidade.