À medida que mais e mais pessoas tem acesso a informações sobre o TEA – a partir do diagnóstico de alguém da família ou por causa de seu trabalho ou mesmo através dos meios de comunicação –a procura por avaliações tende a crescer. Pouco a pouco, adultos despontam como um novo público interessado em um parecer clínico.
“Leve” pra quem?
A maior parte deles está na extremidade “leve” do espectro. Ou seja, não apresentam características óbvias do autismo. Ao longo do tempo, suas dificuldades de comunicação social e seus comportamentos e interesses restritos foram atribuídos a questões de personalidade, temperamento ou a outros diagnósticos. Na verdade, raramente encontramos adultos autistas que não tiveram outro diagnóstico em algum momento: TDAH, TOC, TAB, transtornos de ansiedade, de personalidade ou depressão. Em alguns casos, eles podem mesmo ter um desses transtornos como condição coexistente (comorbidade), mas o autismo propriamente dito nunca foi cogitado. Na época em que cresceram, apenas os casos clássicos eram identificados. Mesmo os moderados costumavam passar como deficiência intelectual ou esquizofrenia.
Diagnóstico não é rótulo
A suspeita de TEA leve pode surgir de forma inesperada e desencadear uma transformação. Muitas coisas passam a fazer sentido. Algumas vivências do passado podem ser enxergadas sob uma nova perspectiva. Para aqueles que passaram a maior parte de suas vidas sem respostas para muitas das suas angústias, que sobreviveram a julgamentos, chacotas, crises, abusos e incompreensão, o conhecimento a respeito da sua condição representa a luz no fim do túnel. A chance de ressignificar muitas experiências. Não é à toa que muitos mergulham na pesquisa, leem tudo que podem sobre o assunto.
Então, um dia, decidem tirar a história a limpo e procurar uma avaliação profissional.
Neste momento, costumam se deparar com dois obstáculos. O primeiro é o descrédito de familiares e amigos. Simplesmente eles não se encaixam no “modelo” de autismo que as pessoas tem em mente. Afinal, muitos deles estudaram, tem empregos, alguns se casaram e tem filhos. Só que ninguém pode imaginar a que custo eles mantêm essa “normalidade” toda: o eterno estado de hipervigilância, a exaustão e a autodepreciação.
O segundo obstáculo é achar um profissional apto a fazer o diagnóstico de TEA em adultos. Sendo, por definição, uma condição do neurodesenvolvimento, o treinamento dos profissionais da área tende a concentrar-se naqueles que trabalham com crianças. Poucos tem experiência com adultos. Os critérios diagnósticos não mudam, mas é necessário um minucioso histórico do desenvolvimento (afinal, ninguém torna-se autista depois de grande) aliado a conhecimento técnico e sensibilidade para enxergar como as características do autismo evoluem com o tempo nestes pacientes. Além disso, o diagnóstico diferencial (“separar” os sinais do TEA de outras condições neuropsiquiátricas) costuma ser mais difícil em adultos.
Por que buscar um diagnóstico?
A pergunta mais ouvida neste processo de busca é: por que? Para que um diagnóstico a essa altura da vida? Se já não são mais candidatos às intervenções convencionais, se não podem mesmo alterar o que viveram, se chegaram até aqui…
Tenho ouvido boas respostas para essas perguntas na clínica.
Alguns apresentam motivos bem práticos, como finalmente obter acomodações educacionais que lhes permitam terminar a faculdade ou a pós-graduação ou modificações no ambiente de trabalho. Outros estão em busca de autoconhecimento e de melhorar seus relacionamentos.
Mas as respostas que mais me comovem são aquelas profundamente pessoais, como as que ouvi na semana passada: “Para fazer as pazes comigo mesmo. Para que eu possa me perdoar pelo que vivi.”