Texto publicado originalmente em 2021
Regressão é um termo relativamente familiar – e temido – para a maior parte da comunidade autista. São bem conhecidas as histórias de crianças que vinham apresentando desenvolvimento “normal” (dentro do padrão esperado) e depois de um certo ponto tornaram-se autistas.
Após um ano e meio de pandemia e tudo que veio com ela (redução drástica das oportunidades de convivência social, diminuição ou interrupção de terapias, mudanças na vida escolar e perdas diversas), tem sido frequentes os questionamentos e receios quanto a possíveis regressões em autistas de diversas idades.
Na verdade, está havendo uma grande confusão em torno do assunto.
O que significa ‘regressão’ no contexto do TEA?
A poda neuronal, um processo natural que ocorre entre 18 e 30 meses de idade, está envolvida em alguns casos de autismo – aqueles que chamamos de regressivo, quando ocorre perda de habilidades previamente adquiridas. Nesses casos, alguns genes que controlam a poda estão alterados e o processo não acontece da forma esperada, comprometendo a transmissão de informações entre uma área e outra do cérebro.
Existe, portanto, uma mudança do status neurológico e uma regressão verdadeira.
As pessoas que convivem com a criança percebem alterações notáveis no seu comportamento. Aquele bebê que imitava, mandava tchauzinho e jogava beijo, que falava algumas palavras e interagia nas brincadeiras, começa a ficar calado, deixa de reagir às aproximações e brincadeiras, não mais imita gestos. É uma transformação dramática.
Parece, mas não é
De outro lado, existem diversas situações que podem ocasionar mudanças comportamentais em autistas, mas que não são consideradas regressões, mesmo que sejam percebidas como “pioras”.
Um exemplo comum é o comportamento agressivo, que pode ser muito assustador para as famílias. Na maior parte das vezes, a investigação cuidadosa acaba mostrando uma situação difícil de lidar para o autista, desde causas orgânicas (que precisam ser investigadas), passando por questões sensoriais ou de comunicação até problemas diversos em seu ambiente (conflitos na família, demandas excessivas da escola ou terapia). Quando o problema é identificado e amenizado, observamos também a melhora da agressividade.
Períodos de muita ansiedade também podem gerar manifestações percebidas erroneamente como pioras ou regressões. Pode haver uma aparente diminuição das habilidades comunicativas, tendência a isolamento, mudanças de sono e apetite. A própria adolescência, com sua carga característica de mudanças e inquietações, pode trazer uma temporada inesperada de desafios para a família.
O surgimento de comorbidades – algo que pode acontecer em qualquer idade – é outro ponto que pode estar associado a aparentes pioras. Depressão, TOC, transtorno bipolar e outras condições de saúde mental podem trazer períodos de turbulência às vidas dos autistas, bem como as fases de mudanças e ajustes de medicações.
Todas essas situações não são consideradas regressões verdadeiras, embora possam ser assim percebidas. Em primeiro lugar, porque não há mudança de status neurológico – ou seja, não há alterações estruturais do Sistema Nervoso Central (como acontece após traumatismos extensos, AVC, infecções graves etc.), nem alterações funcionais (como nas podas neuronais, quando há um rearranjo das redes neuronais). Portanto, a perda de habilidades não é real nem permanente.
Importante
Cabe esclarecer que, dentre as comorbidades neuropsiquiátricas, a esquizofrenia é a exceção: um quadro mais grave, acompanhado de perdas cognitivas e que costuma estar associado a outra poda neuronal (no caso, a que ocorre entre 15 e 17 anos).
A avaliação profissional é imprescindível para o estabelecimento das medidas de suporte mais adequadas a cada caso.