Com frequência, usamos o termo autismo severo para falar do autismo de nível 3 de suporte. São casos em que as dificuldades limitam a autonomia e, portanto, requerem supervisão e auxílio contínuos.
Vale a pena esclarecermos algumas dúvidas e mal-entendidos sobre o tema.
Como definimos esse grau de severidade?
Precisamos lembrar que o diagnóstico do autismo é baseado em critérios que revelam um desenvolvimento atípico em dois grandes domínios do comportamento humano: a comunicação social e interesses e comportamentos restritos e repetitivos (neste último estão incluídas as alterações do processamento sensorial). A severidade deve ser determinada separadamente para cada um desses domínios. O grau em que cada um deles limita as atividades da vida diária, a independência e a plena participação da pessoa em sua comunidade, pode variar muito de pessoa pra pessoa. Ou seja, mesmo autistas “severos” podem ser completamente diferentes uns dos outros.
A ausência de fala, por si só, não define o autismo severo
Um engano muito comum é a crença de que a ausência de fala, por si só, define o autismo severo. Claro que a fala (linguagem oral) é a maneira mais utilizada na comunicação entre as pessoas no dia a dia. Não expressar necessidades, desejos e pensamentos através dela é um aspecto extremamente limitante para a interação social. Entretanto, comunicação social envolve muito mais que a fala. Podemos nos expressar de várias outras maneiras. Há autistas não oralizados que se expressam muito bem pela linguagem escrita ou por meio de sistemas de comunicação aumentativa e alternativa. Além disso, a presença da fala, mesmo quando fluente, não garante capacidade de comunicação efetiva, como acontece com autistas severos cujas falas não alcançam o contexto social e não contribuem para uma troca real com as pessoas à sua volta.
Interesses e comportamentos restritos e repetitivos
Interesses e comportamentos restritos e repetitivos também podem ser muito limitantes, por vezes. A rigidez pode ser intensa a ponto de causar reações extremas a mudanças no ambiente, na rotina, na dinâmica das relações, na situação. As repetições podem interferir em todas as atividades e interações da pessoa. As respostas aos estímulos sensoriais também podem acentuadas a ponto de determinar ações e comportamentos predominantes na vida do autista.
As características podem variar de acordo com o contexto
É importante destacar que todas essas características podem variar de acordo com o contexto (principalmente em função da existência ou não de suportes emocionais, sociais, terapêuticos e pedagógicos) e mudar ao longo do tempo. Por isso a importância de um acompanhamento profissional sensível e criterioso.
Comorbidades
Além dos critérios específicos do autismo na determinação do nível de suporte necessário, temos necessariamente que considerar a presença ou não de deficiência intelectual, outras condições médicas e genéticas e outras condições neuropsiquiátricas – as chamadas comorbidades ou condições coexistentes.
Sabemos que pelo menos 70% dos autistas apresentam pelo menos uma comorbidade. Em alguns casos, essas condições ocasionam mais limitações do que o autismo em si – como acontece, por exemplo, em autistas com esquizofrenia, epilepsia refratária e transtornos graves do humor. São situações que demandam abordagens terapêuticas específicas e que modificam o prognóstico (o que se espera da evolução de um caso).
Distúrbios do sono, problemas alimentares, agitação, crises de agressividade e outras dificuldades também são mais frequentes no autismo severo.
A tarefa de garantir a segurança física, os cuidados necessários, o acesso a terapias, oportunidades educacionais, tecnologia assistiva, lazer e bem-estar dos autistas severos não é simples. Envolve recursos materiais e humanos dificilmente disponíveis em nosso meio e esbarra em preconceitos e ausência de políticas públicas. Na maioria dos casos, os familiares – especialmente a mães – assumem integralmente essa responsabilidade, para isso tendo muitas vezes que abdicar de emprego, tempo de descanso e convívio social.
É necessário que a discussão sobre níveis de suporte na comunidade autista seja ampla e considere toda a heterogeneidade da condição.