Todas as pessoas, independente de sua idade, têm vontades, desejos e intenções que não podem ser realizados, por uma infinidade de motivos. Algumas vezes, por serem irreais (quero ter uma girafa em casa), inviáveis (não tenho dinheiro, mas quero ter uma coleção de carros) ou por entrarem em conflito com os direitos de outra pessoa (estou com raiva dessa pessoa e quero bater nela). Em outras ocasiões, porque implicam em consequências negativas para a própria pessoa (quero viver de pizza e refrigerante) ou se opõem à demanda do ambiente (quero jogar meus games, mas estou em horário de trabalho).
O embate de vontades individuais sempre vai permear os ambientes coletivos, sejam eles uma casa onde habitam poucas pessoas ou uma sociedade inteira.
Daí podemos propor algumas reflexões necessárias sobre autoridade e disciplina, conceitos essenciais para nossa convivência, nem sempre bem compreendidos.
Autoridade: poder e estrutura de hierarquia
Autoridade envolve poder e uma estrutura de hierarquia. Nossas organizações sociais são baseadas em modelos em que a ordem é estabelecida por figuras que detém algum tipo de controle sobre os que estão subordinados a elas.
A autoridade pode advir de cargo ou função (a obediência a elas está condicionada, em grande parte, à percepção de benefícios/ganhos e sanções/ perdas); reconhecimento da maestria em determinada área (tornam-se modelos pela admiração e respeito por seu conhecimento, talento, obras); carisma e liderança (arrebanham seguidores que cultuam suas ideias ou atributos pessoais); imposição pela força (a obediência é obtida por ameaças ou atos violentos).
Disciplina: cumprimento de normas e regras
Disciplina, por sua vez, refere-se ao cumprimento de normas e regras, estabelecidas por um grupo ou pelo próprio indivíduo. Não é, como muita gente pensa, o resultado direto da autoridade a que a pessoa está envolvida, pois envolve habilidades particulares como cognição social, tolerância à frustração, capacidade de adaptação, autocontrole, organização e persistência. Ou seja, também não se resume a atributos morais.
Como as crianças, neuroatípicas ou não, se relacionam com esses conceitos
Crianças, neurotípicas ou não, são seres humanos que se encontram em estágios variados em relação ao desenvolvimento dessas competências. Quando se trata de determinada deficiência ou condição (deficiência intelectual, TDAH, autismo, transtornos psiquiátricos), a não-conformidade às regras ou figuras de autoridade pode resultar de suas dificuldades específicas.
Quando sua compreensão geral, sua capacidade de inferir consequências e suas habilidades de autocontrole mostrarem-se insuficientes para assimilar as demandas, cabe aos adultos apontar as razões que sustentam as normas do grupo e auxiliá-las na elaboração da conduta adequada. Isso implica em estabelecer regras claras e bem fundamentadas, dar exemplos, demonstrar coerência e ser consistente.
Resistência, oposição e desafio são reações naturais de contrariedade, com intensidades variáveis, e não apenas por “falta de educação”, mas principalmente em função de características pessoais.
O papel de quem educa
Deve haver um limite para o discurso raso e simplista, propagado pelo senso comum, que tudo se resume a “rédea curta” e “saber dizer não”. Além de ignorar a complexidade da natureza humana e suas contradições, ele desconsidera o contexto social em que estamos inseridos.
Uma relação de autoridade fundamentada no controle e na coerção pode, sim, conseguir obediência (que se mantém enquanto estiver presente a intimidação). Mas conseguir colaboração é o ponto que devemos realmente almejar, o ponto em que a pessoa voluntariamente se empenha para conseguir um resultado que aprendeu a valorizar.
Isso passa pelo entendimento de que, em cada corpo infantil mora um ser humano – ainda que num estágio particular de desenvolvimento – que merece consideração, escuta e compaixão.
É numa relação de respeito que a criança terá despertado seu desejo de participar e de colaborar.