Imagine uma mulher que busca ajuda de um profissional da saúde mental para problemas que a atormentam há anos. Ela relata mudanças bruscas de humor, com comportamento por vezes explosivo, impulsividade, tendência a compartilhar informações de forma excessiva e inapropriada com pessoas que acabou de conhecer, reações exageradas quando alguém cancela um compromisso, relacionamentos abusivos, sentimentos de solidão. Além disso tudo, revela que já se cortou algumas vezes.
As chances são grandes de receber um diagnóstico de border (Transtorno de Personalidade Borderline, ou TPB). Porém, em alguns casos, pode tratar-se de uma mulher autista recebendo um diagnóstico equivocado.
Parece, mas pode não ser
Não usei o exemplo do sexo feminino à toa.
A percepção de alguns profissionais da saúde mental é que existem mais mulheres com TPB do que homens (pesquisas mostram que provavelmente a prevalência é a mesma nos dois sexos, mas que mulheres buscam mais ajuda). Somando-se a isso, as características do TEA podem ser mais sutis em mulheres e passarem despercebidas numa avaliação.
Alguns comportamentos que nossa paciente fictícia relatou podem ser vistos tanto no TEA quanto no TPB, mas existem diferenças importantes – e que devem ser investigadas. No TEA, temos sinais desde a infância (mesmo que não tenham chamado a atenção na época) e no TPB, as manifestações só aparecem após a adolescência ou no início da vida adulta.
Os contextos em que os comportamentos ocorrem também precisam ser cuidadosamente avaliados.
Por exemplo: no TEA, as reações exageradas quando alguém cancela um compromisso ocorrem por rigidez e no TPB por medo de abandono. O fato de compartilhar informações de forma excessiva com pessoas novas pode ocorrer por falta de malícia e déficit de Teoria da Mente no autismo e por uma tendência a idealizar relações no TPB.
Sinais que diferenciam as duas condições devem ser procurados ativamente: déficits de comunicação pessoal e comportamentos restritos (TEA), perturbação na autoimagem, disforia, reações extremas com estressores interpessoais (TPB).
Não é à toa que sempre reforçamos tanto aqui a importância de um bom diagnóstico diferencial.