Toda nossa vida mental é estruturada em torno de um complexo processamento de informações – que se inicia antes mesmo do nascimento e continua ao longo da vida toda. Ele envolve recursos internos (orgânicos, neurobiológicos) e elementos externos (físicos, sensoriais, sociais, culturais) que interagem entre si de múltiplas formas.
Um bebê, ao nascer, não é uma “folha em branco” como se pensava antigamente. Ele já tem experiências sensoriais do ambiente do útero materno, a ponto de reconhecer sons familiares, por exemplo. Porém, ele ainda não tem conceitos formados a respeito do mundo que o cerca.
Desenvolvimento de ideias e concepções
O desenvolvimento de ideias e concepções diversas ocorre de forma progressiva e simultânea. Mas só pra gente visualizar um pouco essa construção, vamos delinear o percurso – artificialmente isolado e independente – da formação do conceito de gato, um exemplo simples e concreto.
Todo conceito se inicia com uma representação mental. A primeira vez que um bebê vê um gato, ele recebe um input sensorial (a entrada de uma informação; no caso, através da visão) que é registrado pelo seu cérebro. A partir desta primeira representação, novas informações vão sendo acrescentadas ao longo do tempo.
Os adultos passam a usar uma palavra para nomear aquele registro: gato.
Então, outras imagens (de gatos de outras cores e tamanhos, do animal real ou mostrado em fotos e filmes, de desenhos animados e imagens de livros) são acrescentadas à representação inicial e começam a formar uma categoria.
De acordo com a vivência da criança, chegam outros inputs: a sensação da maciez do pelo, o som do miado, o cheiro, os movimentos do gato. Pode haver experiências agradáveis com um gato, num contexto lúdico e de carinho ou experiências desagradáveis (ser arranhado ao tentar puxar o rabo do bichinho), que vão contribuir para moldar seu afeto e suas reações emocionais a esse animal.
A criança, ainda pequena, aprende o que o gato come, que ele faz cocô e xixi, como ele se comporta, assimila os atributos com que seus cuidadores o qualificam. Na escola, numa fase em que já possui repertório para várias outras categorias, aprende também que o gato é um mamífero, carnívoro e predador. Pode aprender a falar “gato” em outras línguas ou usar a palavra com outro significado (como na gíria para designar alguém bonito, atraente).
Do seu ambiente cultural, também recebe diversos tipos de informação (considerando que o gato já passou do status de animal venerado na Antiguidade a animal associado ao demônio e a bruxarias na época da Inquisição). Familiariza-se com mitos (como de que o gato tem sete vidas) e mesmo com ideias do senso comum (de que são animais de pessoas solitárias).
Portanto, quando a palavra gato surge em uma conversa entre pessoas que já possuem determinada bagagem, cada uma delas abre um arquivo diferente. Mesmo que tenham muitos dados semelhantes (aspectos biológicos e culturais) e sejam capazes de trocar informações a respeito, provavelmente suas memórias sensoriais, narrativas e afetivas/ emocionais serão diferentes.
Aprendizagem e neurodesenvolvimento
Deu pra perceber como a construção do conhecimento é complexa? Envolve muitas funções mentais, a integração de várias áreas do cérebro e a exposição a múltiplas vivências. São muitas camadas sobrepostas. Usamos um exemplo concreto aqui no texto, mas, com a ampliação do nosso repertório, conseguimos processar informações cada vez mais abstratas.
E pra que serve saber de tudo isso? Bom, todo mundo que lida com aprendizagem e neurodesenvolvimento precisa ser capaz de enxergar as partes individuais desse processo para saber como intervir quando necessário: como ampliar os inputs sensoriais, oportunizar os estímulos mais relevantes, favorecer associações e a manipulação da informação, oferecer um ambiente afetivo propício.
Não podemos esquecer que a plasticidade neurológica permite a ampliação e a remodelação dos nossos arquivos, em qualquer momento da vida. Uma possibilidade preciosa e que deve ser usada a nosso favor.