Texto originalmente publicado em 2020
Pensando bem, nem sei como demorei tanto para falar de distúrbios de sono aqui – afinal, foi essa a minha primeira experiência pessoal com o autismo.
Dificuldades com o sono são frequentemente negligenciadas. A maior parte das pessoas não tem noção da dimensão do problema; como no caso da depressão, o senso comum dispõe de muitas receitas caseiras e dicas, como se fosse apenas uma questão de esforço para melhorar.
Distúrbios do sono afetam até 80% dos autistas
Distúrbios do sono afetam até 80% das pessoas no espectro autista. As manifestações podem ser variadas: dificuldade para adormecer, acordar com muita frequência durante a noite, redução do tempo de sono, alterações no ritmo circadiano. Não estamos, claro, falando de uma “fase” ou de uma noite insone. Estamos falando de gente que passa noites e noites em claro, que não consegue desacelerar e descansar ou que literalmente troca o dia pela noite.
Prejuízos reais
Dormir mal, de forma crônica, pode ter um impacto enorme na vida de uma pessoa: prejuízos nas atividades do dia a dia, no aprendizado, na interação social e na regulação de emoções. Pode, inclusive, afetar a vida dos familiares, elevando o nível de stress de quem convive com o problema.
Fatores genéticos e neurológicos
A literatura científica aponta o envolvimento de fatores genéticos e neurológicos. Há evidências de que o sono tem uma participação fundamental no desenvolvimento de diversas funções cerebrais (influenciando até a mielinização de áreas de processamento sensorial e a remodelação de sinapses). O papel da melatonina na regulação do ciclo circadiano já é bem conhecido, mas outros neurotransmissores – serotonina e GABA – também são necessários para o estabelecimento de um ritmo regular de sono e vigília. Alterações em genes envolvidos nesses três sistemas já foram documentados no autismo.
Como podemos intervir para melhorar os distúrbios do sono no TEA?
1 – Identificar e tratar causas orgânicas: problemas respiratórios, gastrintestinais, deficiências nutricionais, alergias, apnéia do sono, epilepsia.
2 – Modificações ambientais para favorecer o conforto sensorial: temperatura do ambiente, textura da roupa de cama e pijama, nível de ruído (silêncio, ruído branco ou música), atenção para estímulos visuais do quarto ou presença de odores. Em casos específicos, aromaterapia, massagens e cobertas com pesos podem ajudar.
3 – Estabelecer rotina diária consistente: bons hábitos de saúde, alimentação saudável, exercícios físicos, atividades calmas para “desacelerar” antes de dormir, rituais relaxantes. Para algumas crianças, a sinalização visual e estratégias comportamentais são importantes para criar a rotina do sono.
4 – Abordagem medicamentosa quando necessária.
“Systematic Review of Sleep Disturbances and Circadian Sleep Desynchronization in Autism Spectrum Disorder: Toward an Integrative Model of a Self-Reinforcing Loop”
Carmassi et al Front Psychiatry. 2019; 10: 366.