É bastante comum a solicitação para que se avalie o processamento auditivo central de alunos com dificuldades na comunicação ou na aprendizagem. Também é bastante comum que nesta avaliação seja identificado o DPAC.
E é exatamente aí que começa a confusão.
Uma boa parte das famílias que chegam com esse diagnóstico em mãos acredita que o problema do filho resume-se à esfera auditiva e que as intervenções focadas nesta área serão suficientes para sanar qualquer déficit observado.
Vamos tentar entender melhor a questão.
Ouvir é diferente de compreender
Imagine que você seja transportado neste momento para o Nepal. Você ouviria a fala das pessoas de lá, seria capaz de distinguir os sons que elas produzem e provavelmente até de reproduzi-los, mas não reconheceria seus significados.
O sistema auditivo é um sistema complexo que recebe os sinais acústicos do ambiente, transforma-os em potenciais nervosos, conduzindo-os às áreas do cérebro onde a mensagem será decodificada.
Sempre que falamos em “processamento”, estamos falando de extração de significado de alguma informação. Essa é a finalidade maior de qualquer modalidade sensorial: levar estímulos de naturezas diversas que possam ser “traduzidos” em conhecimentos relevantes É um processo que exige a integração de várias áreas cerebrais e que atinge um alto grau de sofisticação.
Quer um exemplo? Numa conversa da vida real, veja quanta coisa você pode conseguir deduzir apenas analisando o que a pessoa fala: de onde ela é (pela pronúncia/ sotaque); se é uma pessoa culta ou não (pelo vocabulário, conteúdo da fala); a idade aproximada (tipo, se alguém fala “batuta”, você já sabe que passou de meio século – nem vou entregar quem fez isso essa semana!); até mesmo características de personalidade (ingênua, irônica, ansiosa etc) podem ser reveladas pelo tom de voz, velocidade da fala, prosódia. Tudo isso porque você é capaz de acessar um repertório de informações acumuladas ao longo de sua vida e fazer as associações necessárias. Logo, há participação de diversas funções cognitivas (atenção, memória, raciocínio, representação mental) no processamento.
A integração de todas essas funções ajuda, inclusive, a compensar pequenas falhas do sistema, situações desfavoráveis do ambiente ou do emissor da fala. A partir das “pistas” disponíveis, fazemos inferências e conseguimos entender (com certo esforço, é verdade) o que é falado em lugares com ruídos diversos, som alto, a fala de pessoas com rouquidão, disfluência (gagueira) ou pronúncias singulares – até de quem usa aquele dialeto de Minas Gerais e suprime metade das palavras!
Processamento Auditivo Central
A avaliação do Processamento Auditivo Central engloba não só a integridade e funcionamento das vias auditivas como também aspectos de todas as outras funções envolvidas. Portanto, podemos encontrar alterações que são decorrentes de diversas condições: problemas orgânicos, distúrbios de linguagem ou aprendizagem, déficits cognitivos, TDAH, autismo ou problemas neurológicos. Ou seja, na maior parte das vezes o DPAC não constitui um diagnóstico isolado, e sim a manifestação de uma condição clínica.
Bons fonoaudiólogos explicam as alterações encontradas e dão orientações em relação ao prosseguimento da investigação, quando indicado.
Desconfiem dos profissionais que atribuem todo e qualquer déficit ao DPAC.