Acho que todos que convivem com crianças – pais ou profissionais – estão familiarizados com as palavras “estímulos” ou “estimulação”. Para aqueles que convivem com crianças neuroatípicas ou com qualquer tipo de deficiência, essas palavras passam a fazer parte do dia a dia.
Estimulação precoce. Estimulação motora, sensorial, cognitiva. Encontrar profissionais para estimular o desenvolvimento da criança. Utilizar jogos ou exercícios para estimulação em casa. Colocar na escola para estimular a socialização.
Parece haver uma noção geral de que atividades variadas podem oferecer os estímulos necessários para que as crianças adquiram ou ampliem alguma habilidade em seu processo de desenvolvimento. Mas, como acontece com toda palavra amplamente utilizada em diversos contextos, muitas vezes seu uso é banalizado e passa a designar praticamente qualquer coisa que seja apresentada a uma criança, sem considerar suas particularidades.
E esse é o ponto chave da questão, na verdade.
A maior parte do material existente sobre o assunto – seja na forma de livros, artigos, textos em revistas ou blogs – é baseada no desenvolvimento típico. Não tem como ser diferente, claro. O desenvolvimento típico ocorre dentro de um padrão extensivamente estudado, a partir de diversas perspectivas (genética, neurobiológica, psicológica, pedagógica, social, cultural). É necessário conhecer o desenvolvimento típico e conhecer os estímulos adequados para cada fase vivenciada nele.
Estreiteza na compreensão das individualidades
O problema, como sempre aponto aqui na página, é limitar a abordagem das questões relacionada a desenvolvimento a esse modelo. É isso que leva à estreiteza na compreensão das individualidades, à mecanização e inflexibilidade das práticas. Leva à formação de profissionais presos em roteiros engessados, despreparados para enfrentar uma situação na qual não se obtém a resposta esperada.
Estudar o desenvolvimento fora do padrão típico não é tarefa simples, mas é essencial
Estudar o desenvolvimento fora do padrão típico não é mesmo uma tarefa simples. As variações possíveis são praticamente infinitas. Portanto, conhecer as diferentes funções cerebrais e como elas se relacionam entre si é muito importante para a compreensão das dificuldades e habilidades de cada criança. A definição dos estímulos mais adequados para ela depende em grande parte da nossa capacidade de enxergar esse perfil único.
Alguns pontos devem sempre ser levados em consideração quando falamos de estimulação de uma criança atípica:
- Todo estímulo deve ser apropriado para o estágio de desenvolvimento efetivamente observado, sem prender-se à idade cronológica. Existe uma hierarquia a ser observada na construção de qualquer habilidade, de modo que algumas competências são pré-requisitos para a aquisição de outras competências mais complexas. Não ensinamos futebol a quem não aprendeu a andar, não apresentamos um texto a quem ainda está reconhecendo as letras individualmente. Ou seja, não podemos pular etapas – não importa a idade em si. Desrespeitar essa hierarquia causa uma lacuna no processo, difícil de ser corrigida posteriormente.
- Não espere uma linearidade no desenvolvimento das diversas áreas. Pode haver atraso em algumas funções e não em outras. Uma criança pode ter um bom desenvolvimento motor e atraso significativo na linguagem, por exemplo. Podemos encontrar dissonâncias dentro de uma mesma área: como a coexistência de uma excelente coordenação motora global com dificuldades importantes da coordenação motora fina. Ou linguagem receptiva perfeita e problemas sérios na fala. Não raramente, inclusive, encontramos uma combinação inesperada de atraso em alguma área com precocidade em outra. Ou seja, a mesma criança pode estar em estágios diferentes para diferentes funções e deve ser estimulada de acordo com eles.
- Configurações cerebrais diferentes podem não responder aos mesmos tipos de estímulos que os cérebros padrão. Uma mesma informação pode ser oferecida por diversas vias sensoriais, de diversas formas. Muitas vezes precisamos ousar e experimentar várias alternativas até encontrar a maneira que se mostra mais eficaz para cada pessoa.
- Qualquer tipo de informação ou atividade deve fazer sentido para a criança a quem é apresentada, servir a algum propósito, ter ligação com seu mundo. Nosso cérebro assimila novas informações muito mais facilmente quando são associadas a vivências anteriores ou conhecimentos já adquiridos. É muito importante contextualizar o estímulo, não simplesmente impor algo de forma aleatória.
- O prazer funciona como um catalisador do conhecimento. Quando as crianças são estimuladas em ambientes seguros (segurança física e psíquica) e de forma prazerosa, a chance de apropriar-se de novas habilidades é muito maior. Por isso, investir tempo para criar um bom vínculo com a criança, conhecer o que gosta e o que não gosta, vale muito a pena.