Em abril, enviamos um questionário para diversas mães autistas com perguntas sobre suas experiências com a gestação, o parto e as primeiras semanas com o bebê.
Cada vez mais, meninas e mulheres estão sendo diagnosticadas, então ter mais informações a respeito de como outras mulheres autistas vivenciaram essa fase da vida pode nos ajudar a oferecer atendimento mais adequado no pré-natal, no parto e no início da vida de seus filhos.
É importante ressaltar que esse é apenas um retrato da maternidade dentro do autismo, um levantamento de dados informal, para instigar mais pesquisas na área. Tivemos a participação generosa de diversas mulheres, com relatos que comprovam não só a heterogeneidade do espectro, mas também diferentes circunstâncias de vida e o papel crucial da rede de apoio de cada uma.
Com base nas respostas que tivemos, selecionei os pontos que se destacaram, em termos de intensidade e frequência, aqueles que parecem merecer mais atenção:
Aspectos sensoriais
Mudanças no paladar e olfato são muito frequentes em grávidas no geral. Mas nossas participantes relataram experiências bastante intensas nessa área. A seletividade alimentar ou a intolerância com certos alimentos foi frequente, os cheiros ficaram muito intensos, a ponto de causar mal-estar. Sons que não as incomodavam antes passaram a ser intoleráveis e mesmo a causar sensações físicas como dor, tremores e enjôo. A sensibilidade ao contato físico aumentou. Algumas relataram que a sensação do bebê crescendo dentro delas foi estranha, aversiva e desagradável.
Aspectos psíquicos
Quase a totalidade das nossas participantes ficaram mais sensíveis, com crises de choro frequentes. A irritabilidade foi outra alteração notável, tornando a convivência mais difícil. A maioria se afastou do companheiro nessa fase e algumas se isolaram socialmente também. A rigidez marcou presença: a gravidez e assuntos relacionados com ela se tornaram o hiperfoco de algumas.
Preocupações
O que mais me chamou a atenção nesse aspecto foi que a preocupação principal de mais da metade das participantes foi sobre se conseguiriam ser mãe, se dariam conta de cuidar de um filho. “Manter o bebê vivo” foi algo que apareceu muito nos relatos. Algumas disseram se sentir distantes do bebê, demoraram para criar algum vínculo.
Impacto nas atividades diárias
Poucas conseguiram trabalhar normalmente e manter sua rotina até o final da gestação, algumas até com maior disposição que antes. Mas a maior parte sentiu que seu nível de energia caiu muito.
Parto
As experiências parecem ter sido muito diversas nesse ponto. Algumas disseram ter tido boas experiências, principalmente quando havia um vínculo com o médico ou doula que as acompanhava. Outras relataram muita vulnerabilidade, dificuldades em tomar decisões em momentos estressantes e mesmo violência obstétrica. Várias tiveram crises ocasionadas pelo estresse ou pela dor.
Primeiras semanas com o bebê
A mudança da rotina e a sensação de falta de controle foi difícil para algumas. O incômodo com o choro do bebê foi frequente. Metade das participantes relataram depressão pós-parto. Poucas conseguiram amamentar; para algumas, amamentar era algo aversivo e difícil. Alguns aspectos sentidos na gravidez continuaram presentes por algum tempo, como maior ansiedade e a sensibilidade à flor da pele.
Outro ponto de grande interesse – embora não soubessem nada do assunto na época, quase metade dessas mulheres perceberam sinais diferentes em seus bebês: não olhavam muito para a mãe, eram mais passivos que o esperado. Esses bebês receberiam o diagnóstico de autismo tempos depois.
Cada gestação é única.
É impossível para qualquer mulher se preparar para tudo que a espera nesses meses.
Mas, para autistas e todos os que a acompanham (familiares, profissionais), saber que sua experiência pode ter aspectos diferentes talvez ajude a lidar com os desafios de uma forma mais tranquila e ajustada às suas características.