Pela primeira vez, vou falar de um tema sem nenhum respaldo teórico: nunca li nada a respeito de como os autistas vivenciam a perda de alguém que amam, nem fui atrás disso, pra ser sincera.
Pensei em falar de uma perspectiva pessoal, das experiências que tive ao lado de pacientes da clínica, na esperança de despertar uma construção coletiva a partir de outros relatos.
Meu primeiro contato com essa vivência de luto aconteceu há alguns anos, quando uma paciente adolescente perdeu o pai subitamente, num acidente de carro. Vou omitir detalhes que possam expor ou atingir as pessoas envolvidas. Basta dizer que as reações que a adolescente apresentou diante do fato foram muito diferentes do esperado em uma situação assim. Os parentes mais próximos ficaram chocados e essa foi, na verdade, a razão de terem me procurado.
Depois disso, três outros pacientes também passaram por perdas importantes e súbitas. E, embora sejam pessoas diferentes entre si, com contextos de vida diferentes, o que me chamou a atenção foram as semelhanças em suas reações.
Observei um comportamento de aceitação mais natural e autêntico perante o acontecido, um maior e mais pronto reconhecimento da irreversibilidade da situação. Uma atitude pautada pela racionalidade, contrastando com a revolta e o desespero dos neurotípicos em circunstâncias semelhantes. Nada daqueles infinitos “E se…” (E se não tivesse ido a tal lugar? E se tivesse deixado para o dia seguinte?) que nos atormentam tanto, na tentativa de nos agarrarmos a todas as possibilidades que já ficaram no passado.
Também parece haver um modo mais contido de externalizar e compartilhar os sentimentos de luto. Cada grupo social tem seus próprios ritos para honrar a memória do morto e dar oportunidade às pessoas para se despedir. Há uma expectativa acerca do papel dos parentes e amigos próximos nestas cerimônias e sinto que nem sempre autistas estão emocionalmente disponíveis para assumir esse papel.
Não tenho nenhuma intenção de “fabricar rótulos” ou fazer generalizações com essas observações. A maneira que cada ser humano lida com seus sentimentos é única e diz respeito apenas a ele mesmo. Porém fico incomodada quando o comportamento dos autistas em luto é interpretado pelas outras pessoas como frieza e falta de empatia.
As reações podem não corresponder ao padrão esperado, mas não são menos legítimas.