Neurodiversidade

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Texto originalmente publicado em 2020


No dia 18 de junho, celebramos o Dia do Orgulho Autista.

Algumas pessoas, ainda novas neste universo, não entendem direito a razão de celebrar as diferenças. É por isso que o texto de hoje vai falar um pouco sobre neurodiversidade.

Diversidade: daquilo que é diverso, diferente. A diversidade é intrínseca ao ser humano. A diversificação de todas as formas de vida foi a maneira que a Natureza encontrou para expandir as possibilidades de adaptação a diferentes cenários e a ambientes muitas vezes inóspitos. Emergindo de variações mínimas do código genético de plantas e animais, ao longo de milhões de anos de evolução, algumas características singulares revelaram-se de alguma forma vantajosas para a sobrevivência em determinados ambientes, sendo perpetuadas em seus descendentes. 

A diversidade é o grande trunfo da vida no planeta, a carta na manga da Natureza. Vamos imaginar cada desafio que se apresenta à espécie humana, em qualquer época, como um cofre fechado, que precisa ser aberto. De uma forma bem simplificada, é como se cada variação genética existente fosse como parte de uma combinação para abrir um desses cofres. Portanto, somos TODOS guardiões de informações que podem ser decisivas para a humanidade. Nenhum de nós sabe, na verdade, quais delas formam a combinação certa para cada ocasião. O que sabemos é que a soma de todas elas (representada pela população do nosso planeta), forma o patrimônio genético da humanidade, nossa grande riqueza.

A Natureza não faz julgamentos de valor acerca dessas variações. Não existe variação boa ou má por si só. Por exemplo, na anemia falciforme temos uma alteração genética que faz o corpo produzir um tipo de hemoglobina anormal, que altera a forma dos glóbulos vermelhos do sangue. Ao mesmo tempo em que essa alteração pode causar sérios problemas de saúde quando em homozigose (genes alterados do lado paterno e materno), ela confere aos seus portadores resistência à malária, doença parasitária de alto grau de morbimortalidade, de grande prevalência há milhares de anos. Ou seja, seu valor depende das circunstâncias. Hoje em dia, uma mulher pode achar desvantajoso ter uma constituição genética que determine menor termogênese (traduzindo: propensão a engordar), já que o padrão de beleza vigente valoriza a magreza. Por outro lado, a mesma mulher, num cenário de privação de alimentos, teria mais chances de sobreviver do que a modelo magra. 

O raciocínio se aplica também às nossas características mentais. O mesmo “padrão TDAH” que não permite que o menino fique parado na sala de aula atual provavelmente tem sido responsável pela criatividade na busca de soluções engenhosas ao longo dos séculos. A sistematização associada ao TOC pode estar por trás da organização que permitiu a transmissão do conhecimento através das gerações. São lados das mesmas moedas. Mentes fora do padrão sempre estiveram à frente de inovações, apontando novos caminhos em todas as áreas. Quando falamos em neurodiversidade, estamos falamos da pluralidade de habilidades que caracteriza nossa espécie e que nos permitiu chegar até aqui. 

Ignorar a diversidade humana é como negar a lei da gravidade: nenhuma delas está sujeita à nossa “visão dos fatos”. Não importa o quanto as nossas estruturas sociais tenham tentado homogeneizar seus membros ao longo da história, em função do medo ou mesmo em nome do progresso ou de qualquer outro objetivo considerado relevante em determinado contexto. As manifestações da nossa diversidade são irreprimíveis. Só temos a ganhar com o reconhecimento das infinitas possibilidades que nos proporcionam. 

Finalizando, esse espírito de celebração não desconsidera em nenhum momento o sofrimento imposto a muitas pessoas em decorrência de suas diferenças. Mesmo do ponto de vista orgânico, sabemos que algumas dessas variações genéticas podem ser bastante desfavoráveis a nível individual.

Aceitar a diversidade implica que devemos usar os nossos recursos a favor de todos. Porque somos todos guardiões das chaves da vida. 

CRM 78.619/SP

Dra. Raquel Del Monde

É médica formada pela USP – RP (1993), com residência em Pediatria pela Unicamp (1996) e Treinamento em Psiquiatria da Infância e Adolescência também pela Unicamp (2013). Viu sua carreira mudar quando seu filho mais velho recebeu o diagnóstico de autismo em 2006. Desde então, vem se dedicando exclusivamente ao atendimento de pessoas neurodiversas, ao aprofundamento nas questões da neurodiversidade, e tornou-se uma ativista da luta anti-capacitista.