O extermínio de pessoas com deficiência

Mensurar o valor de uma pessoa pelo que ela produz é um posicionamento que ultrapassa fronteiras de tempo e espaço. O indivíduo que gera renda, executa trabalhos diversos ou presta cuidados aos outros é um membro útil à sociedade. Esse raciocínio leva a uma conclusão aparentemente lógica: o indivíduo que não produz é um peso para os demais.

Houve um período da história em que uma solução radical e cruel fez sentido para muitos: o Aktion T4, um programa implementado em 1939 na Alemanha nazista com o objetivo de exterminar pessoas com malformações, síndromes genéticas e problemas psiquiátricos. Os registros apontam que 300.000 pessoas foram mortas enquanto ele esteve ativo.

Ou – como era referido na época – foram ‘livradas de seus sofrimentos”.

Embora esse capítulo hediondo da história mundial nos cause indignação e horror, raramente conseguimos perceber quando nosso discurso reproduz o pensamento de valorizar o indivíduo pelo que ele é capaz de produzir.

Isso ocorre quando taxamos de preguiçoso, vagabundo, inútil ou irresponsável alguém que tenha um déficit real (mesmo que invisível, como o autismo) simplesmente porque a pessoa não atinge as nossas expectativas.

Não se trata, obviamente, de desmerecer as aptidões, o esforço, a dedicação, o comprometimento dos que “produzem”. Trata-se de reconhecer como legítimas as dificuldades que outras pessoas enfrentam (sejam elas comunicativas, motoras, sensoriais, cognitivas) e de buscar estratégias para que possam realizar as mais diversas atividades da melhor forma possível. Pode ser que elas precisem de um tempo maior, de suportes ambientais, de adaptações, de direcionamento, de incentivo. Pode ser que absolutamente não façam algo ou façam de uma maneira não convencional. Pode ser que estejam tão acostumadas com o fracasso e com as críticas, que sejam muito resistentes a tentar (e arriscar falhar) de novo.

Mas não se engane.

Todos nós vibramos quando somos bem sucedidos em algo, queremos ser reconhecidos e apreciados.

Às vezes só precisamos de uma chance.

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CRM 78.619/SP

Dra. Raquel Del Monde

É médica formada pela USP – RP (1993), com residência em Pediatria pela Unicamp (1996) e Treinamento em Psiquiatria da Infância e Adolescência também pela Unicamp (2013). Viu sua carreira mudar quando seu filho mais velho recebeu o diagnóstico de autismo em 2006. Desde então, vem se dedicando exclusivamente ao atendimento de pessoas neurodiversas, ao aprofundamento nas questões da neurodiversidade, e tornou-se uma ativista da luta anti-capacitista.