O cenário mais favorável para o desenvolvimento de crianças atípicas envolve a parceria bem sucedida de três elementos: família, escola e profissionais responsáveis pelo suporte terapêutico.
Por muitas vezes já falei sobre as falhas que ocorrem com frequência nos atendimentos a autistas, tanto na área da saúde quanto de educação e na necessidade de investir na capacitação dos profissionais dessas áreas.
Falar do papel das famílias é um pouco mais complicado.
Em primeiro lugar, porque apontar o dedo para culpabilizar os pais – especialmente as mães – tem sido historicamente a atitude mais utilizada para encobrir a falta de conhecimento científico (como na teoria das mães geladeiras da psicanálise), o preconceito da sociedade (como acontece com os “filósofos” da atualidade, para quem qualquer desvio do comportamento padrão é decorrente de falta de limites) e a incompetência de alguns profissionais (para justificar falhas da terapia com a “falta de estímulos” de casa).
O risco de cometer uma injustiça é grande: dificilmente conhecemos a fundo a realidade de cada um.
Não sabemos das batalhas que são travadas em cada lar.
Por essas e outras, tenho um cuidado redobrado ao falar das famílias, mas isso não quer dizer que elas estejam acima de qualquer erro.
Pai e mãe também erram
Famílias são formadas por gente. Pai e mãe são seres humanos com qualidades e defeitos. Eles também erram – mesmo querendo acertar. Erram por ignorância, por preconceito, por vaidade, por fraqueza. Às vezes por não conseguirem lidar com suas próprias dificuldades. Todos os dias, pais e mães (ou outros cuidadores) tem que tomar muitas decisões, grandes e pequenas, que vão ter impacto na vida da criança. Nem sempre estão preparados para fazer as melhores escolhas: por isso devem buscar informações de fontes confiáveis. Uma das funções de profissionais comprometidos com a evolução e o bem estar das crianças é pontuar as atitudes da família que são prejudiciais a elas.
A dificuldade para aceitar a neurodiversidade
Alguns pais tem muita dificuldade para aceitar a condição neurodiversa do filho autista.
Não estou falando daquele período logo após o diagnóstico, em que os pais sentem-se compreensivelmente perdidos e angustiados com uma situação totalmente nova para eles. Estou falando dos pais que, após receberem um diagnóstico, perdem anos preciosos correndo atrás de profissionais que digam o que querem ouvir (geralmente negando o diagnóstico e dizendo que é só uma questão de tempo). Daqueles que buscam “normalizar” o filho a qualquer custo, negando ou reprimindo as características que denunciam o “problema” do filho. Daqueles que vivem frustrados porque o filho não corresponde às expectativas que criaram, sem perceber ou valorizar as qualidades únicas da criança real que tem em casa. No meio dessa negação toda é que vemos os casos, tão comuns, de pais que focam tanto em um único aspecto (geralmente no avanço acadêmico, mais valorizado socialmente) que acabam negligenciando o desenvolvimento de habilidades de autonomia e independência que serão tão necessárias no futuro.
Envolvimento com o processo terapêutico
Também encontramos pais que não se envolvem com o processo terapêutico do filho.
É claro que não se espera que ajam como terapeutas ou professores em casa. Mas, para que as habilidades trabalhadas pelos profissionais sejam generalizadas e consolidadas, precisamos da parceria com a família. Muitas vezes são necessários ajustes na rotina ou estrutura da casa, participação em estratégias de comunicação efetiva, integração sensorial, oferta de estímulos, modos de lidar com comportamentos desafiadores. Ao longo dos anos, eu e toda a equipe da clínica tivemos a oportunidade de trabalhar com pais que se tornaram verdadeiros experts e dão um show à parte no cuidado com suas crianças. Temos visto, ao vivo e a cores, como esse envolvimento resulta em benefícios para toda a família. Por outro lado, acreditem ou não, tenho pais que não sabem me dizer o nome da professora ou da terapeuta do filho. Alguns parecem acreditar que sua participação consiste em levar e buscar o filho nas sessões de terapia.
Cuidado redobrado com o charlatanismo e tratamentos alternativos
Por último, quero falar de um assunto que, volta e meia, ressurge no mundo do autismo: o charlatanismo e os tratamentos alternativos.
Colocar um filho em risco, conscientemente escolhendo um tratamento sem o aval da ciência, é um dos maiores erros que em pai ou mãe pode cometer. Tratamentos consagrados, embasados cientificamente, também podem oferecer riscos, claro – mas são riscos já conhecidos, para os quais geralmente temos medidas de supervisão e controle. Por isso a necessidade de termos profissionais bem preparados. Então, não, essa não é uma desculpa válida
Garantir a segurança de um filho é, indiscutivelmente, uma das mais importantes funções da família.
Quando os pais optam por seguir os gurus da pseudociência e deixam de oferecer os benefícios de um suporte apropriado, deixam de vaciná-la, submetem a criança a ”tratamentos” prejudiciais ou degradantes, precisam ser responsabilizados por isso.