Texto publicado originalmente em 2020
Uma sensação de irrealidade nos cerca nesse momento.
Em poucos dias, muitas coisas mudaram de uma só vez: a rotina, os hábitos, os compromissos, as expectativas e planos, o modo de se relacionar com as pessoas, o fluxo de informações. A Covid-19 domina o cenário mundial e a nossa capacidade de adaptação está sendo testada de muitas formas.
Fico pensando nos meus autistas, cada um com seus desafios muito particulares, e imagino como estão reagindo a tudo isso. Tenho recebido vídeos de alguns deles e pedidos de ajuda das famílias com dificuldades para lidar com toda a desregulação dos últimos dias.
Confesso que as primeiras notícias da pandemia me fizeram lembrar dos relatos de alguns pacientes, adolescentes e jovens adultos, sobre mochilas e locais secretos preparados para a eventualidade de um apocalipse zumbi. Preciso me retratar com vocês (e provavelmente pegar algumas dicas).
Não ter controle sobre uma situação costuma ser aterrador para a maior parte dos autistas. As mudanças dramáticas dos últimos dias e as incertezas que estamos vivendo são mais que suficientes para provocar mudanças comportamentais (agitação, piora das questões sensoriais e ritualizações) e crises de ansiedade. No momento, poucos de nós têm controle sobre alguma coisa. Não só os autistas, mas todos que os cercam estão tendo que lidar com circunstâncias inesperadas e angustiantes – e isso vira uma bola de neve.
Eu reuni aqui algumas orientações que podem aliviar o sentimento de caos.
Informação na medida certa
Nada é tão assustador quanto o desconhecido. Ter informações sobre o que está acontecendo (sobre o vírus, a pandemia e a necessidade de ficar em casa) é de extrema importância. Mas como fazer isso precisa ser avaliado caso a caso. Temos que considerar a idade do autista e sua capacidade de assimilar essas informações. As explicações podem ser feitas verbalmente, com apoio de imagens, vídeos, mapas ou materiais concretos (usar gliter para mostrar como o vírus se propaga com o contato físico ou a já famosa experiência das vasilhas com orégano e detergente para mostrar a importância da higiene das mãos), tudo que possa facilitar o entendimento do assunto. Devemos tentar manter as informações simples e objetivas e evitar alarmar a criança ou jovem além do necessário. Não podemos jamais esquecer que muitos autistas não oralizados têm perfeita compreensão da linguagem. Portanto, não conversem na frente deles como se não estivessem lá. Autistas adultos com autonomia total no acesso a informações também precisam avaliar sua própria exposição aos noticiários e mídias sociais para preservar sua saúde mental.
Focar naquilo que podemos fazer
Temos que aceitar que nem tudo está sob nosso controle e nos concentrar nas coisas que estão. A prioridade é proteger nossa saúde e a saúde de quem amamos, então vamos fazer todo o possível para seguir as orientações médicas. Arejar a casa, manter o ambiente limpo, evitar contato com outras pessoas, sair de casa apenas para o que for indispensável, lavar as mãos, usar máscaras se apresentar sinais de resfriado ou gripe. Focar naquilo que é possível fazer nos ajuda a manter a lucidez e a calma.
Rotina e previsibilidade
Estabeleça rapidamente uma nova rotina na sua casa, compatível com as necessidades dos familiares. Ter horários para os afazeres do cotidiano e atividades programadas oferecem antecipação e previsibilidade, antídotos para a ansiedade. Inclua alguma forma de exercitar o corpo, atividades prazerosas e sensoriais. Peça sugestões para os terapeutas dos filhos, em casos específicos. Sinalize a rotina da forma mais efetiva para o seu caso (quadros de imagens, lembretes escritos, meios digitais) e seja persistente para mantê-la, o mais fielmente que conseguir.
Busca de ajuda
Evitem ao máximo procurar serviços de saúde nesta época; só o façam em casos de urgência, como febre e tosse (especialmente se houver alguma dificuldade para respirar), convulsões e acidentes domésticos. Vale lembrar que muitos autistas expressam mal-estar por meio de alterações comportamentais e precisam ser observados com cuidado. Muitos profissionais estão se dispondo a fazer alguns atendimento on line e alguns deles estão postando vídeos com orientações. São recursos valiosos em algumas situações.
Além disso, atenção redobrada para o uso de medicamentos: verifique se tem receitas suficientes, compre com alguma antecedência e use corretamente. Fique longe das terapias enganosas, que se proliferam em tempos de vulnerabilidade.