Vira e mexe, estou às voltas com pais preocupados em não deixar que o filho neurodiverso use sua condição como “muleta”. Eles falam do receio de que o diagnóstico vire desculpa para se acomodar numa situação de dependência ou para justificar comportamentos manipuladores. Alguns escondem ou adiam excessivamente o momento de compartilhar informações sobre o diagnóstico com base nesse argumento, mesmo quando a idade, a maturidade e a capacidade de compreensão da pessoa já permitem essa conversa.
Sem dúvida, essa preocupação aparece muito mais nos casos de deficiências “invisíveis” (TDAH, autismo “leve”, dislexia, discalculia, etc.) e justamente naqueles momentos em que as expectativas de desempenho frente a situações banais do cotidiano são frustradas.
O senso comum grita: “Como pode uma pessoa ser capaz de fazer X, mas não consegue fazer Y?”.
Dificuldades e limitações reais
Existem dificuldades e limitações reais enfrentadas pelas pessoas neuroatípicas, de ordem sensorial, motora, cognitiva, comunicativa, embora sejam imperceptíveis para os outros – como já falamos em vários outros textos. Essas dificuldades afetam, em graus muito variáveis, as interações sociais, a realização de atividades, a capacidade de se adaptar a ambientes e situações variadas.
Não reconhecê-las não vai fazer com que desapareçam.
Muitas vezes, quando a pessoa atípica verbaliza que não consegue fazer o que é pedido ou esperado dela em determinada circunstância, ou não consegue se controlar ou não consegue entender algum contexto, ela não está “se fazendo de coitada”. Ela está comunicando sua dificuldade. Frases do tipo “é claro que você consegue” – quando não acompanhadas de direcionamento, suporte ou acomodação correspondente – são vazias e frustrantes.
Pior ainda quando são usadas aquelas histórias de superação que vemos na mídia como argumento de que “basta ter vontade”, como se fosse uma simples questão de se esforçar mais.
Comparar pessoas diferentes, com particularidades orgânicas e trajetórias de vida diferentes, é tremendamente injusto e cruel.
Validando a expressão da dificuldade
Vamos deixar bem clara a intenção deste texto: não, não se trata de “amolecer”, permitir que a lamentação tome o lugar da ação. Estamos falando de validar a expressão da dificuldade, a maneira que a pessoa percebe sua limitação. É um momento para empatia e consolidação de vínculo. É dar a mão e oferecer apoio para buscar soluções.
Informar-se a respeito das nuances de qualquer condição é um passo importante para que o indivíduo e todos que o cercam compreendam melhor as dificuldades existentes e participem ativamente do processo terapêutico.
Histórias de superação podem acontecer a todo momento. A começar de nós mesmos.