Uma profunda sensação de incômodo se apodera de algumas pessoas quando se fala em diagnósticos de saúde mental.
Enquanto pediatra, acompanhei movimentos que tinham como alvo o TDAH, espalhando narrativas de que estaríamos diante de um diagnóstico criado pela indústria farmacêutica, para empurrar “pílulas da obediência” em nossas crianças ou que se tratava de uma cômoda desculpa para justificar a falta de limites na criação dos filhos. Nos últimos anos, temos visto esse mesmo incômodo diante do aumento de diagnósticos de autismo.
Tenho me esforçado de verdade para entender de onde se origina esse desconforto, partindo da perspectiva mais confiável que conheço: a neurociência. Nosso cérebro está programado para detectar ameaças, sejam elas reais ou imaginárias, de acordo com o nosso repertório de vida. Por trás da repulsa “à onda de diagnósticos”, observamos em algumas pessoas a sensação de injustiça, motivada pela suspeita de que indivíduo possa estar buscando um diagnóstico para obter algum tipo de favorecimento indevido. Desde uma justificativa para suas falhas (grosseria, desorganização, preguiça) ou, quem sabe – já que a pessoa autista foi equiparada à pessoa com deficiência para fins legais – para conseguir vantagens mais concretas: fila prioritária, acesso a cotas, adaptações educacionais ou no ambiente de trabalho (ainda vistas por muitos como privilégios) etc.
Se você está nesse lugar de desconfiança, sentindo que a balança da suposta igualdade está em desequilíbrio, por favor, informe-se melhor. Depressão não é equivalente a estar triste, ter um transtorno de ansiedade não é a mesma coisa que ficar ansioso antes de uma reunião importante, TDAH não é desculpa para agir de forma impulsiva e inconsequente, autismo é muito mais que ter um perfil “antissocial” para evitar situações indesejadas. A esmagadora maioria de pessoas com um diagnóstico na área da saúde mental convive com dificuldades que você nem imagina.
Para outro grupo de pessoas, o desconforto vem do medo. Elas não questionam a honestidade dos que buscam um diagnóstico, mas se sentem ameaçados de outra forma. Se está havendo um aumento real de um diagnóstico, em gente que ela conhece, sem nunca ter desconfiado de nada, será que isso pode também atingir a si ou aos seus? Será que existe uma causa ainda desconhecida (alimentos, toxinas, radiação, o estresse da vida moderna) que tem o poder de atingir a todos? Para essas, negar o aumento de diagnósticos funciona como um mecanismo de proteção. (e, sim, podem se tornar presas fáceis da pseudociência).
Se você está nesse lugar de medo, por favor, informe-se melhor. Diagnóstico não é algo a ser temido, é nada mais que o reconhecimento de uma condição para possibilitar o acesso à ajuda necessária. É preciso desconstruir o estigma social em torno da palavra diagnóstico. É só lembrar que o contrário, a falta de diagnóstico, tem efeito nefasto: ele priva as pessoas do que elas precisam.
O capacitismo se revela de muitas formas dentro de nós.
Exercite a capacidade de enxergar as coisas pelos olhos de outra pessoa. Chamamos isso de empatia.