Todas as relações humanas envolvem algum tipo de negociação.
Dificilmente, os valores, desejos e necessidades de indivíduos que convivem entre si ou estabelecem vínculos de diversas naturezas (amizade, pessoas do ambiente de trabalho ou estudo etc.) coincidem inteiramente. Encontrar um ponto de equilíbrio é fundamental para que a relação não se transforme numa armadilha de dominação, em que um precise se submeter constantemente à vontade do outro. E não há como chegar a esse equilíbrio sem uma comunicação adequada, empatia (a compreensão da perspectiva do outro) e flexibilidade suficiente para fazer concessões.
Autistas podem ter dificuldades variáveis em relação a esses três aspectos. São dificuldades reais que (de forma isolada ou – o que é bem mais frequente – combinadas) prejudicam suas interações com as outras pessoas.
Acho importante deixar claro aqui que, ao pontuar essas dificuldades, não estamos fazendo julgamento de mérito ou de questões morais (quem está certo e quem está errado). Em respeito ao sofrimento legítimo de todas as partes (tanto autistas como as pessoas do seu convívio), devemos reconhecer que se trata realmente de um desencontro entre sistemas de processamento de informações diferentes (aqui cabe perfeitamente a analogia de tentar rodar um programa de Windows num sistema operacional diferente e incompatível).
Pensamento rígido
Para a pessoa com pensamento rígido, a necessidade de controle é muito forte. E, muitas vezes, a rotina e os hábitos inflexíveis (trajetos, horários, atividades, procedimentos) podem ser sufocantes para os demais.
A mesma coisa acontece com o cumprimento rigoroso das regras: a maior parte das pessoas não vê problemas em usar uma lata de ervilhas com validade vencida há um dia, fazer aproximação de horários (o que são 5 minutos a mais ou a menos?), ligar a máquina de lavar roupa com um par de meias na vez de lavar toalhas ou tirar algo do lugar para limpar; mas ainda assim, esse tipo de coisa pode acabar numa violenta discussão.
Aliás, a maior parte das pessoas também acha difícil de entender por que algumas regras são seguidas como se fossem mandamentos sagrados enquanto outras são solenemente ignoradas. Na verdade, a pessoa com pensamento rígido pode ter um comportamento bem desafiador frente a toda e qualquer regra que não faça sentido para ela. Sim, provavelmente, ela vai testar todos os limites que não se enquadrem na sua lógica, o que já é complicado dentro de casa e pode ser desastroso na escola ou no ambiente profissional.
O perfeccionismo, também mencionado no texto anterior, traz uma cobrança que muitas vezes se estende às pessoas próximas. Qualquer deslize ou falha é severamente criticado, parece impossível agradar ou estar à altura daquela expectativa. Pronúncias imperfeitas, erros gramaticais, informações imprecisas, pequenos enganos são apontados sem piedade. Mesmo quando há a percepção de que a retificação pode magoar, a compulsão para corrigir o erro é irreprimível.
Algumas vezes, a cobrança inclui uma certa exigência de exclusividade: não raramente vemos autistas que buscam “monopolizar” as pessoas que o cercam, sejam familiares, amigos ou parceiros românticos. São crianças que demandam atenção exclusiva da professora (e chegam a ter crises quando ela se dedica aos outros), que mantém a mãe numa situação de quase refém ou que só brincam com um único amigo (e emburram quando outros entram na brincadeira); adolescentes ficam desorientados quando o melhor amigo conversa com outras pessoas ou engaja em outras atividades; mesmo alguns adultos mantém uma necessidade de “controlar” a interação.
Estratégias para lidar com o pensamento rígido
Como dissemos no primeiro parágrafo, lidar com essa situação passa por estabelecer comunicação adequada, trabalhar o conceito de empatia e gradualmente criar condições que sejam confortáveis para pequenas mudanças e maior flexibilidade. Um terapeuta pode assumir o papel de mediar a comunicação, fazendo os ajustes necessários para que a mensagem seja compreendida por mais de um “sistema operacional”. Nada deve ficar subentendido, as informações precisam ser explícitas, detalhadas e assertivas. Regras sociais devem ser explicadas claramente – muitas vezes traduzindo o que está nas entrelinhas – e as necessidades de todos os envolvidos devem ser discutidas e negociadas. Podem ser elaborados treinamentos e planos na direção do ponto de equilíbrio. Vale lembrar que pessoas muito ansiosas podem precisar de tratamento medicamentoso.
Sabe o que não dá certo? Enfrentar rigidez com mais rigidez, como acreditam alguns.
O estilo “queda de braço” geralmente termina com pessoas exauridas, magoadas e ressentidas. E não resolve a situação.