Frequentemente, autistas que não apresentam maiores dificuldades no uso da linguagem ou manifestações mais características do autismo (como estereotipias motoras ostensivas) são diagnosticados com TDAH num primeiro momento. É importante entendermos por que isso acontece e o que devemos considerar no processo de avaliação clínica para evitar que tantas pessoas passem pelo desgaste de um diagnóstico equivocado, que dificulta o acesso à intervenção correta.
Parece, mas pode não ser
TEA e TDAH são transtornos do neurodesenvolvimento, de forte componente genético. Ambos afetam o comportamento, o aprendizado e a socialização. O TDAH é caraterizado pelo prejuízo na modulação da atenção, por hiperatividade e impulsividade. No TEA, mesmo aquele conhecido como “leve”, há prejuízo das habilidades de comunicação e interação social, além da presença de interesses e comportamentos restritos e repetitivos. São condições que frequentemente coexistem, de tal maneira que encontramos sinais de TDAH em até 80% das pessoas no espectro. Além disso, as duas condições compartilham dificuldades nas habilidades sociais e na regulação emocional, problemas atencionais, alterações da integração sensorial e comportamento opositor.
Muitos estudos mostram vários padrões de associação entre TEA e TDAH e sobreposição em relação a fatores genéticos, sugerindo que possam compartilhar trajetos neurobiológicos. Alguns pesquisadores até trabalham com a hipótese de que sejam parte de um único transtorno mais abrangente, com o TDAH sendo o início do espectro.
Os sinais do TDAH são os que mais se destacam no convívio familiar e escolar e são mais conhecidos das pessoas. Então, são também os que mais chamam a atenção dos pais e professores e geralmente constituem as principais queixas no relato aos profissionais. Mas quando a avaliação revela outros problemas além do TDAH – tais como manifestações sugestivas de Transtorno de Ansiedade, Transtorno Obsessivo Compulsivo, Transtorno Opositor Desafiante, Transtorno de Regulação de Humor, distúrbios de sono – é melhor ficar alerta. Podem ser comorbidades (condições coexistentes), mas também podem ser, na verdade, sinais de um único quadro clínico que ainda não tenha sido corretamente identificado.
É preciso um olhar experiente para enxergar as distinções sutis entre comportamentos que são parecidos, mas que ocorrem por razões diferentes. Por exemplo, duas crianças, uma com TDAH e outra com TEA leve podem problemas para interagir com colegas da classe e apresentar comportamento agressivo. Mas se observarmos bem as situações em que ocorrem, veremos que a primeira age por pura impulsividade e a segunda por falta de leitura do contexto social, falta de compreensão da perspectiva do outro. Um comportamento opositor pode ser fruto de baixa tolerância à frustração no TDAH e por motivo de apego à rotina e resistência à mudança no TEA.
A avaliação da forma com que cada pessoa aprende, do seu perfil cognitivo, também pode mostrar algumas diferenças. Como, por exemplo, desatenção no TDAH versus processamento de informação focado em detalhes no TEA. Já os problemas na memória de trabalho são bem característicos do TDAH.
Muitas características do TEA (entre elas: determinadas alterações da comunicação verbal e não verbal, rigidez de pensamento, estereotipias motoras e verbais) não são próprias do TDAH. Quando presentes, mesmo que sutis, sempre indicam a necessidade de uma avaliação mais aprofundada.