Não faz muito tempo que fui apresentada à teoria das colheres. A denominação pode soar estranha a princípio, mas ela é uma explicação simples e concreta de como é viver com uma doença crônica ou deficiência.
Como surgiu a teoria?
A história do surgimento da teoria das colheres é muito interessante. Christine Miserandino tentava responder à pergunta de uma amiga de longa data sobre como era viver com lúpus. Nesse momento, enquanto jantavam, teve a ideia de colocar um certo número de colheres nas mãos da amiga e lhe disse que a diferença entre sua vida e a de pessoas saudáveis era ter que pensar conscientemente sobre as mínimas atividades e escolhas do dia a dia.
Quantidade de colheres = nível de energia
Pessoas saudáveis têm o privilégio de não ter que pensar nisso: elas começam o dia com um número infinito de colheres, podem se dar ao luxo de fazer o que quiserem. Pessoas com doenças crônicas começam o dia com um número limitado de colheres. Para cada mínima atividade do dia (escovar os dentes, se arrumar, ir para o trabalho, digitar, fazer tarefas domésticas básicas, mesmo para coisas de lazer, como conversar com amigos), elas perdem uma ou mais colheres. O total de colheres corresponde ao nível de energia disponível no dia.
Cada colher que se vai é como uma barrinha do sinal de bateria do celular que se apaga. É preciso planejar o dia para não ficar sem colheres antes de acabar.
A relação com o autismo
Em pouco tempo, pessoas autistas se identificaram com a Teoria das Colheres. Sua cota de colheres também é limitada. Seu consumo de colheres pra navegar o mundo neurotípico é muito grande. Ir ao mercado pode consumir muitas colheres pela sobrecarga sensorial envolvida. Conversar com clientes no trabalho pode exigir um esforço absurdo. Uma treta em redes sociais pode deixá-los totalmente sem colheres para o resto do dia. Por isso crises e esgotamentos são tão comuns: eles estão sem colheres.
A Teoria das Colheres tem sido útil para explicar para neurotípicos os níveis de energia da população autista de uma forma simples e concreta. Quando um autista diz que está sem colheres, esse é o momento em que não consegue mais responder às demandas do ambiente. Insistir para que continue leva rapidamente a uma crise ou ao esgotamento total.
A teoria ajuda também a entender por que muitos autistas precisam dos seus intervalos, de períodos de conforto sensorial: eles precisam recuperar suas colheres.
Usar essa analogia tem sido útil para ajudar pessoas com doenças crônicas, deficiências de todos os tipos e mesmo idosas a expressar o que se sentem capazes de fazer ou não no seu dia a dia.
Espero que ajude a todos da nossa comunidade (neurodiversos, familiares e profissionais) a lidar melhor com as demandas do cotidiano.