Aparências enganam. Todo mundo sabe disso. As primeiras impressões que temos a respeito de uma pessoa muitas vezes nos levam a conclusões falsas.
Não é incomum que a avaliação de pessoas com TEA “leve” (sempre entre aspas, mas para nos referir àqueles que não apresentam características mais óbvias) também tenha suas armadilhas.
Olhando na superfície, diversas manifestações de outras condições se parecem com manifestações do TEA – como já falamos em textos sobre TDAH, ansiedade e TOD, por exemplo. Isso pode tornar difícil a diferenciação entre uma condição e outra (o que chamamos de diagnóstico diferencial – “parece, mas não é”). A dificuldade pode ser ainda muito maior quando as condições coexistem, ou seja, quando a pessoa os dois diagnósticos (“juntos e misturados”). Pois é, não bastasse toda a amplitude do espectro e sua extraordinária heterogeneidade, o autismo mantém relações multifacetadas com várias outras condições neuropsiquiátricas e, na maior parte das vezes, está acompanhado por uma (ou mais) delas. Por isso o processo diagnóstico precisa ser tão criterioso.
A identificação das condições comórbidas é essencial para delinear o planejamento terapêutico, pois elas geralmente agravam os déficits e prejuízos e têm um impacto enorme qualidade de vida dos autistas.
A prevalência do TOC flutua entre 2,6 a 37,2% crianças e adolescentes com TEA
Comportamentos repetitivos e pensamentos intrusivos/recorrentes constituem manifestações presentes tanto no TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) como no TEA. Diferenciar as duas – ou determinar se ambas estão presentes – costuma ser um grande desafio para os profissionais. Estudos mostram que a prevalência do TOC flutua entre 2,6 a 37,2% crianças e adolescentes com TEA. Essa variação reflete vários fatores que dificultam uma determinação mais precisa: o amplo espectro de habilidades verbais e cognitivas, os métodos de avaliação utilizados, a subjetividade das fontes de informação (interpretação dos comportamentos pelos familiares, percepção do estado emocional da pessoa), a apresentação atípica.
Aparências enganam
A análise do contexto como um todo costuma ser a ferramenta mais importante para a avaliação clínica.
Por mais parecidos que sejam os comportamentos observados nas duas condições, existem diferenças entre eles. Cito duas aqui:
- Conteúdo dos pensamentos e obsessões: no TOC, as preocupações são mais fortemente relacionadas a contaminação, organização, agressividade, temas religiosos e/ou de cunho sexual.
- No TOC, as compulsões (comportamentos repetitivos) ocorrem para aliviar a ansiedade que advém desses pensamentos e são percebidas pela pessoa como indesejáveis e incômodas. No TEA, os comportamentos repetitivos são representados principalmente pelas estereotipias motoras e vocais, e também por atitudes relacionadas ao apego à rotina, à sensação de estar em controle, à insistência nas atividades que dão prazer. A percepção do indivíduo, ao contrário do TOC, não é de algo estressante e sim de algo reconfortante. Ainda assim, mesmo associados a sensações positivas, os comportamentos acarretam problemas como consumo de tempo excessivo e reações variadas de descontrole quando interrompidos ou impedidos por algum motivo (e esse descontrole pode ser mal interpretado caso não haja uma observação cuidadosa).
É preciso ir além da superfície.