Todos nós conhecemos a sensação: aquele frio no estômago antes de apresentar um trabalho importante, da entrevista do emprego dos sonhos, do primeiro encontro com a pessoa desejada. A preocupação ao mudar de cidade, ao deixar um filho viajar sozinho pela primeira vez, ao saber da doença de alguém próximo. O medo de um assalto ao atravessar um local perigoso à noite ou ao entrar num hospital para uma cirurgia de urgência.
A ansiedade é um estado mental que nos prepara para circunstâncias que envolvem algum tipo de risco ou ameaça, recrutando recursos internos que nos possibilitam tomar providências para enfrentá-las.
Mas não é sobre essa ansiedade que vamos falar hoje.
Vamos falar daquela situação em que a preocupação, o nervosismo e o medo fogem do controle e dominam o cenário.
Transtorno de Ansiedade Generalizada
Tanto a predisposição genética, quanto fatores ambientais (eventos traumáticos e algumas condições orgânicas) estão envolvidos no Transtorno de Ansiedade Generalizada. Para as pessoas que convivem com ele, as preocupações podem tomar a forma de pensamentos intrusivos (indesejados, mas que ainda assim conseguem invadir nossa mente) e recorrentes (que se repetem indefinidamente, também chamados de ruminantes). São preocupações que interferem com a vida diária e causam um sofrimento intenso, com manifestações orgânicas diversas: problemas de sono (para iniciar ou manter o sono); sensação difusa de desconforto e nervosismo; irritabilidade; problemas de concentração e esquecimentos; boca seca, engasgos, náuseas, vômitos e dor de estômago; aumento dos batimentos cardíacos e elevação da pressão arterial; sensação de falta de ar; sudorese, tonturas, tremores, formigamento nos braços ou pernas; tensão muscular; dor de cabeça.
Em períodos críticos e determinadas fases da vida, crises de ansiedade tendem a ocorrer com frequência muito maior. Neste atual período de pandemia, por exemplo, não faltam razões para isso: o medo de contaminação (de si próprio ou das pessoas queridas), as drásticas mudanças de hábitos e a privação da liberdade, as repercussões no trabalho, na renda familiar e na economia. Outro aspecto nem sempre considerado, é que o confinamento em casa nem sempre é um comercial de margarina: conflitos familiares vêm à tona, dificuldades de comunicação, disputas por atenção, discordâncias em relação a tarefas e gastos etc. Na impossibilidade de acesso às válvulas de escape, a hostilidade pode atingir níveis inesperados.
Ansiedade altera o modo de processar pensamentos e emoções
A ansiedade altera o modo de processar pensamentos e emoções. Com frequência, provoca uma distorção da realidade, superestimando as preocupações (conferindo-lhes dimensão desproporcional aos fatos e probabilidades) e depreciando a capacidade do indivíduo de lidar com os problemas. A pessoa ansiosa costuma partir do princípio que as coisas não vão funcionar pra ela. Orientações de manejo da ansiedade – de profissionais ou de outras fontes – parecem impraticáveis ou ineficazes. Pequenos obstáculos ou a demora para obter um resultado satisfatório são interpretados como sinais para desistir.
Como quebrar esse ciclo?
Quebrar este ciclo exige persistência. É importante entender que existe todo um mecanismo neurobiológico subjacente: a mente está fixada num padrão disfuncional e o corpo está sofrendo as consequências. Temos que tomar ações que abrangem várias frentes:
- Comece a estruturar ações para se sentir melhor fisicamente e aliviar os sintomas da ansiedade no seu organismo. Inicie com coisas mais gerais. Cuide bem do seu corpo: hidrate-se bem e consuma alimentos saudáveis a intervalos regulares, evitando álcool, cafeína e tabaco o máximo que puder. Faça algum exercício físico (qualquer coisa: ande, corra, dance, pule). Massageie músculos doloridos. Faça respirações profundas e lentas, várias vezes ao dia. Leia sobre técnicas de relaxamento e ponha em prática aquelas que fizerem sentido pra você. Ouça músicas, veja um filme leve, leia algo que for prazeroso. Brinque com crianças ou animais de estimação. Não subestima esses cuidados. Além de serem essenciais para o bom funcionamento do organismo como um todo, focar neles (procurar receitas, cozinhar, ver vídeos de massagens ou exercícios, organizar sua playlist etc.) ajuda a voltar nossa atenção para o aqui e agora, o que já é saudável e terapêutico por si só.
- Tente identificar os gatilhos (noticiários, redes sociais, pessoas, situações, lugares ou ações) que desencadeiam ou intensificam as preocupações. Elimine o que for possível.
- Defina uma rede de suporte, alguém para conversar. Falar de seus medos para outra pessoa – mesmo que virtualmente, na situação atual – ajuda a colocar as coisas numa perspectiva mais realista.
- A mente ansiosa entra num estado de hipervigilância, como um radar à procura de ameaças. Às vezes, nós entramos no jogo dela; afinal, parece lógico que aquela sensação de angústia precisa ser legitimada por um motivo (e sempre vamos achar um motivo). Se prestarmos bastante atenção, muitas vezes vamos descobrir que a sensação aparece ANTES da preocupação. Ou seja, percebemos que reagimos no sentido de justificar um status fisiológico. Por isso, temos que criar um diálogo interno para calar a voz que demanda uma explicação e engajar num comportamento (respirações profundas, cantar, mexer o corpo) que combata a sensação criada pela nossa mente.
- Existem também algumas estratégias para lidar com a questão dos pensamentos aflitivos incessantes, que chamamos ruminantes. Tais pensamentos ganham vida própria e vão tomando o espaço de outros pensamentos e emoções, como erva daninha. Por isso, é preciso dar um basta neles. Dez, vinte, cem ou mil vezes ao dia. Um basta que seja tão insistente quanto eles. Uma maneira de fazer isso é a estratégia de “liberar espaço”. Faça uma lista das preocupações e pensamentos intrusivos. Isso mesmo, uma lista. Não deixe nenhum de fora, mesmo que pareça bobo ou irreal. Em seguida, escreva como eles fazem você se sentir. Não ignore sentimentos de raiva e frustração, mesmo que não pareçam estar diretamente ligados às suas preocupações. Agora mentalize um armário com muitas caixas. Coloque cada um deles numa caixa e as feche. Quando estiverem todos guardados, traga pensamentos desejáveis para o espaço liberado em sua mente e faça com que ocupem esse espaço. Algumas pessoas podem preferir ações mais concretas: escrever cada pensamento em um papel e guardá-los em caixinhas (uma ideia legal é colocá-los numa embalagem dentro do freezer, para deixá-los literalmente congelados).
- Outra estratégia consiste em aprender a planejar ao invés de se preocupar. Funciona assim: pegue sua lista de preocupações. Identifique o que há pra ser feito de concreto em relação a elas, desenhe um plano de ação e faça o que estiver ao seu alcance. A partir deste ponto, provavelmente será necessário voltar àquele diálogo interno para calar a ansiedade que, desta vez, pode aparecer disfarçada de “vamos rever o plano de ação para ver se não tem nenhuma falha nele”. É o momento de bradar: “Pare, eu já tenho um plano”.
Busque ajuda profissional, se precisar.
Por último, saiba que está tudo bem se você tiver que recomeçar muitas vezes.
Construir um novo repertório mental para lidar com a ansiedade é como aprender a tocar piano: exige muito treino e dedicação. Mas o sentimento de estar em controle vai fazer valer a pena.