Verbal ou não verbal?

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As pessoas costumam usar o termo “não verbal” pra se referir a autistas que não falam. Mas até que ponto isso é correto?

“Verbum”, do Latim, significa palavra. Linguagem verbal, por definição, é aquela que utiliza palavras para transmitir uma mensagem. De forma simplificada, palavras são códigos linguísticos que representam conceitos. Podem ser formadas a partir de fonemas (sons arranjados em sequência temporal determinada pela língua – na linguagem verbal oral) ou por grafemas (símbolos gráficos que correspondem a fonemas – na linguagem verbal escrita). 

A linguagem verbal oral pode ser expressiva (referindo-se à capacidade de produzir a mensagem) ou receptiva (referindo-se à capacidade de captar a mensagem). Muitas vezes, as habilidades necessárias para o domínio dessas modalidades seguem trajetos diferentes. Existem autistas que não falam ou falam de forma ininteligível ou pouco elaborada. Porém, uma grande parte deles entende tudo que dizemos a eles: seguem comandos, reagem aos diálogos de desenhos e filmes e às interações orais com outras pessoas. Alguns chegam a dominar a leitura e a escrita mesmo sem pronunciar uma palavra. É justo dizer que são não verbais? 

Imagine se você sofresse uma lesão (um AVC ou um acidente) na área do cérebro responsável pela produção da fala. Você não conseguiria articular as palavras, mas continuaria entendendo tudo que as pessoas dizem ao seu redor e ainda seria capaz de ler e escrever – ou seja, de se comunicar através das palavras. Portanto, continuaria sendo uma pessoa verbal, porém sem produzir a fala. Podemos então usar o termo não oralizada no lugar de não verbal.

A diferença pode parecer sem importância, mas não é. Muitos adultos partem do princípio que a criança que não fala também não entende o que estão dizendo. Então sentem-se à vontade para fazer qualquer tipo de comentário perto dela: não apenas os de conteúdo impróprio como também do tipo que atinge em cheio a autoestima da criança, ao expor suas dificuldades de forma rude.

Nem sempre é fácil determinar o nível de habilidade em linguagem verbal receptiva de alguém (o quanto a pessoa entende do que é falado). Principalmente se esta pessoa apresenta baixa atenção compartilhada e pode não demonstrar sua compreensão de maneira convencional – como acontece com os autistas. Há uma tendência de subestimarmos a capacidade dessas pessoas.

Então, se você realmente ainda não consegue saber se seu filho (ou aluno) é não verbal ou simplesmente não oralizado, a regra é: “Presuma competência”!

CRM 78.619/SP

Dra. Raquel Del Monde

É médica formada pela USP – RP (1993), com residência em Pediatria pela Unicamp (1996) e Treinamento em Psiquiatria da Infância e Adolescência também pela Unicamp (2013). Viu sua carreira mudar quando seu filho mais velho recebeu o diagnóstico de autismo em 2006. Desde então, vem se dedicando exclusivamente ao atendimento de pessoas neurodiversas, ao aprofundamento nas questões da neurodiversidade, e tornou-se uma ativista da luta anti-capacitista.