Desafios na Prática de Atividade Física por Pessoas Neurodivergentes

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Atividade física é indispensável para a saúde do corpo e da mente. Ponto final. Você pode tentar relativizar a importância disso na sua vida, mas um dia a conta chega.

Costumo dizer aos pacientes que é como ir ao dentista: não se trata de gostar ou não, apenas de aceitar que é necessário (já peço desculpas antecipadamente aos amigos dentistas pela comparação).

Pessoas neurodivergentes, como todas as pessoas, variam em relação à atividade física, de forma geral: uns praticam por prazer, outros por obrigação; alguns levam a sério e chegam a níveis bem avançados; outros são sedentários convictos ou têm aversão a exercícios.

Mas, já que ficar parado não é uma opção pra quem busca bem-estar, nossa conversa hoje vai abordar alguns pontos que precisamos considerar quando pensamos em atividade física para pessoas neurodivergentes, principalmente autistas ou com TDAH.

 

Esportes coletivos

Além das habilidades motoras mais óbvias, esportes coletivos exigem habilidades comunicativas complexas. Não só para o entendimento de instruções e comandos diretos, mas também para entender quando um olhar furtivo ou um gesto rápido sinalizam uma estratégia ou oportunidade (passar a bola para alguém, por exemplo). Ou seja, envolve domínio da linguagem receptiva não verbal, além de atenção, velocidade de processamento e teoria da mente (percepção da intenção do outro). A rigidez de pensamento também pode apresentar desafios: lidar com mudanças inesperadas (no formato dos treinos, na equipe, nas táticas) pode contribuir para uma situação de desregulação. São frequentes os relatos de insucesso em esportes coletivos, desde a infância (crianças com TEA/TDAH que são sempre os últimos a ser escolhidos para os times na Educação Física da escola). Esportes individuais podem ser mais indicados enquanto as habilidades envolvidas são treinadas.

Intolerâncias sensoriais

Ambientes barulhentos e cheios de estímulos visuais, como academias, podem ser aversivos para muitos neurodivergentes. Para alguns, coisas mais específicas (cheiros ou a sensação do suor, por exemplo) são difíceis de lidar. Nesses casos, devemos buscar um local com menos estímulos e usar recursos que possam propiciar mais conforto (fones de cancelamento de ruídos, roupas mais adequadas etc.)
Demandas sociais: a prática de atividades físicas pode ser também uma ótima oportunidade de conhecer pessoas e fazer amigos. Mas, por outro lado, algumas vezes essas interações podem ser penosas e indesejadas. Com frequência, vemos atividades físicas sendo impostas com o bem-intencionado propósito de “socialização”. É preciso ter nosso objetivo bem claro para não misturar estações. Se estamos focados em atividade física e seus benefícios, devemos deixar as oportunidades de encontrar outras pessoas para outros momentos.

Disfunção executiva

As dificuldades de planejamento e organização também podem atrapalhar a prática regular de atividades físicas. Geralmente, precisamos programar horários (mais ou menos flexíveis) para essas atividades, considerando troca de roupa e deslocamento. Além disso, é necessário transicionar tarefas, ou seja, interromper o que se está fazendo para fazer uma coisa completamente diferente, algo que pode ser muito difícil para algumas pessoas. Estabelecer rotinas estruturadas e consistentes, com tempo suficiente para a transição de atividades, é a chave para se alcançar um bom engajamento.

O mais importante de tudo é não desistir. As possibilidades são quase infinitas: andar, correr, dançar, nadar, esportes coletivos, individuais, não importa. Pode ser dentro do quarto (hoje em dia, encontramos múltiplas opções de aulas online), ao ar livre, em ginásios, academias ou parques. O que vale é mexer o corpo com regularidade.

CRM 78.619/SP

Dra. Raquel Del Monde

É médica formada pela USP – RP (1993), com residência em Pediatria pela Unicamp (1996) e Treinamento em Psiquiatria da Infância e Adolescência também pela Unicamp (2013). Viu sua carreira mudar quando seu filho mais velho recebeu o diagnóstico de autismo em 2006. Desde então, vem se dedicando exclusivamente ao atendimento de pessoas neurodiversas, ao aprofundamento nas questões da neurodiversidade, e tornou-se uma ativista da luta anti-capacitista.